quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Remiel

REMIEL: A MISERICÓRDIA É A FONTE DE TODO GOZO


O fundamento de toda transformação humana, de toda evolução das nossas consciências, é a compaixão, meu amor.
Não há uma característica, um "arquétipo", mais imprescindível a cada um de nós do que esse.
Todos os demais serão incompreensíveis, se não estiverem baseados nele.

Buscar o autoconhecimento, estudar a condição humana, negligenciando a compaixão, ignorando a misericórdia, é desconhecer o essencial.
No entanto, o que sempre fazemos é fugir dela, meu amor.
Buscamos, antes de mais nada, o contato com a verdade, com a paz, com o amor, com a coragem e com tantos outros arquétipos lindos e conhecidos nossos, mas, no fundo, recusamo-nos a admitir que todos eles nada mais são que aspectos da compaixão.
Pois, sobretudo, o que não queremos encontrar, o que não queremos contatar, o que não queremos "ter", é...Misericórdia.
Sei que essa afirmação aqui pode chocar o teu piedoso coração, meu amor, sobretudo se já és sensível à questão da compaixão.
Irei, então, direto ao essencial:

Estás seguro de que tens compaixão de ti mesmo?
Pois como poderias ofertar o que não possuis para ti?
Como saberias ensinar aos demais o que não sabes sequer utilizar em benefício próprio?

"Casa de ferreiro, espeto de pau", diz um velho ditado, tentando indicar-nos o quanto somos tentados a recusar a nós mesmos o que ofertamos a outrem.

Nossa "boa" educação nos ensina que "devemos" misericórdia aos necessitados, fazendo-nos crer que a fonte de todo prazer, que é a compaixão, seria um "dever".
Mas, quando a compaixão aos demais transforma-se em "obrigação", não somente nos culpabilizamos, quando não a sentimos, como ignoramos que toda misericórdia que não flui espontaneamente em direção aos demais é apenas o reflexo de que ela está sendo negada a si mesmo.

Passamos, então, secretamente, a odiá-la, como odiamos tudo que nos parece "obrigação".
Acusamos os demais diante da mais mínima infração à "regra" da compaixão, sem percebermos que essa acusação é autodirigida, que é porque negamos a misericórdia a nós mesmos, não nos dando o melhor de nós mesmos (casa de ferreiro, espeto de pau…), que a indiferença dos demais aos necessitados incomoda-nos tanto, a ponto de mudar nosso comportamento:
Diante dela, nos transformamos de samaritanos piedosos a acusadores impiedosos de quem mais, em princípio, necessitaria nossa piedade, que são aqueles que julgamos impiedosos.

Pois, quem está mais necessitado: quem não tem o que pôr no estômago, ou quem está com o coração vazio?
Quem deveria tocar mais nossos corações: quem pede compaixão, ou quem ignora que a necessita?
Presenciei uma vez uma cena no metrô, que ilustra esse fato meu amor.Um velho "clochard", vagabundo francês de uns 70 anos, estava caído num daqueles corredores do metrô.Passaram por ele todos os passageiros de um metrô que acabara de chegar.
Nenhum olhou sequer para a cena.
Mais de cem pessoas fizeram de conta que nada viram.
Eu era um dos últimos.
Teria, provavelmente, feito o mesmo, com duas "excelentes" desculpas:
A primeira é que como ainda não havia descalço os meus patins, estava assim pouco habilitado a levantar uma pessoa de uns setenta quilos do chão.
Minha segunda desculpa, a mesma que estava utilizando toda aquela massa humana de passantes, é que tratava-se de um "clochard", e estas pessoas sempre bebem e caem, e até dormem lá mesmo onde caíram.Pô-los de pé é vê-los cair dois passos depois.
Mas, na realidade, a realidade do porquê quase duas centenas de pessoas ficaram indiferentes ao "clochard", é que um "clochard" fede.
E fede muito.
Quando dormem num dos bancos do metrô, nós, os "civilizados", não agüentamos sequer estar no mesmo vagão que eles, pois invade-nos um fedor de sujo entranhado misturado com urina de meses, irrespirável.Todo parisiense conhece e já foi "vítima" desse odor.
Eis o motivo real porque ninguém foi tocar no "clochard".
Mas sequer tive tempo, no momento mesmo da cena, de tecer todas estas elucubrações mentais, pois uma jovem mulher, acompanhada de uma amiga, pouco antes que fosse a minha vez de passar indiferentemente diante do "clochard" fingindo não vê-lo, não resistiu à cena, caiu na culpa, ou na obrigação de compaixão, e pôs-se de joelhos a ajudá-lo.
Mas era muito fácil saber que ela estava apenas reprimindo sua culpa e sua raiva de não ousar fazer como os demais, pois mal se pôs ela de joelhos diante daquele humano nauseabundo e pestilento, que ela começou a urrar alto e forte, para que todos nós ouvíssemos o quanto o mundo estava composto de humanos insensíveis, o quanto nós todos éramos degenerados, tanto os da frente, que já tinham “escapado” ao "clochard", quanto os que vinham atrás.
Aquela jovem estava obrigando-se a ter compaixão, odiava isso e acusava os demais em sua volta de uma insensibilidade que ela invejava.
Não fora isso, o ato mesmo de ajudar, de compartilhar, encheria seu coração de uma alegria de uma intensidade que nenhum prazer carnal, que nenhum divertimento podem oferecer.
Aí está, então, o drama da misericórdia, meu amor:

Por ignorarmos o que ela realmente é e pode por cada um de nós, negamo-la a nós mesmos.
Por ignorarmos o prazer que é ofertá-la a si mesmo, desconhecemos o êxtase que é compartilhá-la.

Quando a oferecemos aos demais é sempre por obrigação, obrigação ditada pela culpabilidade, ou, pior ainda, como a jovem em questão, para jogar publicamente essa culpa de "ter que" ocupar-se de algo desagradável porque uns desapiedados (leia-se, mais cínicos em relação à culpa) não o fizeram para que "eu" tenha que fazê-lo, porque não tenho coragem de suportar minha culpa de ver no abandono desse "clochard" o abandono de mim a mim mesmo!!
"Pai... se possível afasta de mim esse cálice sem que eu o beba”...
Bem que essa frase de Jesus poderia ser confundida com covardia, ou com má-fé, se ela não nos significasse antes uma clara e bem merecida misericórdia de si.
Pois a frase pode muito bem ser entendida como:
"Pai, não sinto satisfação alguma em me fazer crucificar. Mas... se não tiver outro jeito"…
Em todo caso, a misericórdia de si é a fonte de toda autêntica misericórdia, meu amor.

Pode te parecer incrível, meu amor, mas uma das maneiras mais comuns através das quais ocultamos nosso ódio a nós mesmos, é…
Ajudando o nosso próximo…
Muitos de nós se lançam numa ajuda ao próximo por abandono a si, meu amor.

Nossa compaixão muitas vezes oculta uma depressão.
Não se trata aqui de condenar quem ajuda por negar-se ajuda.
Não se trata de desvalorizar o dom de si, seja ele por depressão.
Não se trata de sugerir que a fuga de si através da ajuda ao outro não seria um desvio nobre, necessário e útil, que poderá, inclusive, conduzir-nos mais rápido a nós mesmos.
Trata-se de sensibilizarmo-nos à essência da misericórdia, que é a misericórdia de si.
E, sobretudo, à essência da misericórdia de si, que é a fonte de todo prazer.

Para descobrir isso, alguns de nós terão que passar pelo desvio de oferecê-la aos demais antes de entenderem que, com isso, estarão apenas punindo a si mesmos.
Outros endurecerão seus corações, chegarão ao fundo da insensibilidade, pois só daí conseguirão acreditar na autenticidade da misericórdia.

Mas seja qual for o caminho, e mesmo que leve "vidas", como diriam os budistas, cada um de nós acabará entendendo que toda forma de misericórdia é uma forma de misericórdia a si, e que toda ela contém todo real prazer que possamos ter.
Mesmo os mais "carnais" dos prazeres, meu amor, será sentido e vivido de uma maneira extremamente pobre por alguém que é "duro" de coração para consigo mesmo.
Mas...
Poucos de nós dão-se realmente o tempo de meditar longamente sobre isso, não é, meu amor?

Quando insensibilizamos nossos corações, compaixão parece coisa de gente débil, emocionalmente afetada e mentalmente frágil.
Ademais, há realmente uma certa confusão generalizada entre as palavras "misericórdia" e "culpa".
E a primeira pergunta que deveria colocar-se quem deseja encarnar o arquétipo da misericórdia, seria:

Seria possível chegar à misericórdia não tendo compaixão dos que ainda não a alcançaram?

Esta pergunta, calma, longa e francamente colocada, seria suficiente para levar quem a responde, logicamente, ao sentimento que revela, que toda falta de misericórdia, reflete uma negação da misericórdia a si mesmo.

Uma vez que entendermos que as pessoas que culpabilizamos e acusamos de falta de compaixão são apenas o reflexo da nossa falta de misericórdia para conosco, poderemos abordar a questão seguinte ligada à misericórdia, que é sua exploração por pessoas que abusam da boa-fé e da culpabilidade derivadas de uma compaixão decretada como "dever", como"obrigação".

Jesus usou palavras muito duras para indicar a hipocrisia de uma atitude generosa em aparência mas culpabilizadora no fundo.
Tais pessoas foram chamadas de "sepulcros caiados" por ele, que designava com esse termo a dissimulação de um coração duro, culpabilizado e culpabilizante, sob uma aparência de bondade.
Por formular assim, "preto no branco" e publicamente, a atitude de "mercadores do templo" de exploradores da culpabilidade e boa-fé daqueles líderes religiosos, Jesus em muito "contribuiu" à sua crucificação.

A questão da misericórdia tem, então, que ser abordada a partir da misericórdia negada a si, meu amor.
Só daí entenderemos como exploramos os demais a partir dela, pois todos somos "sepulcros caiados", e como deixamo-nos, igualmente, explorar por quem nega a própria compaixão a si mesmo.

Muitos humanos querem sim, que demos a eles a misericórdia que não nos damos.
O humano que te pede tua piedade a ele nesse caso, sabe que dando a ele o que ele mesmo recusa a se dar, tu também estarás roubando de si, e ele sabe que tanto tu como ele são ladrões de si mesmo.No fundo, meu amor, quando um humano pede tua piedade, o que ele quer mesmo é que tu demonstres a ele tua piedade a ti mesmo.
Mas quem entende isso?
Quem sabe espelhar isso?
A não ser quem já sente realmente misericórdia de si?
Só que ele, o que recebe tua misericórdia, sabendo que tu a ofertas para continuar negando-a a si, diverte-se com esse roubo de si mais do que tu, pois ele, ao menos, joga fora a dele e a tua, e acabará um dia descobrindo o vampiro de atenção, de afeto insaciado que é, quando deixaremos de ser "masoquistas idiotas", constatando que jogamos "pérolas aos porcos", segundo a fórmula de Jesus para designar a atitude de quem dá a quem não quer receber.

Mas quem se diverte, ou se vinga, explorando a compaixão alheia, ou fazendo da culpabilidade um comércio, estará, evidentemente, ainda mais distante da misericórdia, logo, da fonte de todo prazer.
Em compensação, quem assim age, está mais consciente da sua falta de compaixão para consigo mesmo do que quem a pratica movido pela culpa.
Este último reclamará duplamente da sorte:
Primeiro, porque estará obrigando-se a dar ao outro o que no fundo não quer dar.
Segundo, porque não estará recebendo o que dá ao outro para não dar a si mesmo.
Mas, uma longa meditação sobre o sentimento de culpa, pode levar-nos à constatação de que quando agimos movidos por ela, na realidade só estamos vingando-nos impiedosamente de nós mesmos.
Mas leva muito tempo e, sobretudo, muita reflexão, até que entendamos que o arquétipo da misericórdia só se expande a partir de nós mesmos quando utilizado basicamente em causa própria.
Em princípio, toda idéia de ocupar-se dos próprios interesses nos parece suspeita de "egoísmo", meu amor.
E só depois de muito tempo de meditação acabaremos entendendo que as pessoas que aparentemente mais buscam para si, mesmo prejudicando as demais, são, na realidade, as que menos misericórdia de si mesmas tem, as que menos se amam, as mais miseravelmente pobres, pois mesmo que possuam tudo, ainda terão o sentimento de não possuírem nada.
Toda pessoa "extrema", meu amor, quer se trate de um "miserável" ou de um "abastado", que necessita possuir muito mais do que necessita, nada mais é, no fundo, do que alguém que ainda não é consciente de que nega a si mesmo a dádiva e os dons do arquétipo da misericórdia.
Começa, então, a meditar sobre o que poderia ser realmente ter compaixão de si, meu amor.
Olha em volta de ti.
Observa como as pessoas lamentam-se do que não receberam, mas como continuam negando a si mesmas toda possibilidade de mudança, alegando "medo", "impossibilidade", porém, mantendo-se em situações de sofrimento, sem se decidirem nem a assumir onde estão, nem a mudar.

A misericórdia é o maior dos arquétipos, meu amor, o maior dos presentes.
Talvez por isso mesmo seja o que mais ignoramos…
Ainda…

Medita, então, longamente sobre ele, meu amor.
Gostaria de não ter que afirmar-te aqui, de "prometer-te" que, fazendo-o, encontrarás teu maior tesouro.
Pois esse tesouro, que sempre esteve, e sempre estará, no fundo de ti mesmo, só poderá ser teu quando aceitares experimentá-lo.
Palavras e promessas nunca te conduzirão a nenhuma realidade, meu amor.
Vive o que pensas que "deves" viver:

Tua experiência é teu único autêntico mestre.

Não saias por aí, então, meu amor, jogando "pérolas aos porcos".
Busca antes entender, que enquanto te obstinas a dar a quem não quer receber, estás apenas ocultando de ti mesmo que dás a quem não quer receber porque negas a ti mesmo.

Aceita as pérolas da misericórdia antes de mais nada para ti mesmo, meu amor.
Só isso te tornará apto a compartilhá-las.
Só isso liberará a fonte de todo prazer em ti.

Só essa constatação pode curar-nos da nossa megalomania tão humana, meu amor, de crermos que o outro precisa da nossa "compaixão" por outro motivo que o de negá-la a si mesmo.
Chamo esse engano de "megalomania", pois confundimos a misericórdia que emana de si com a pseudo-misericórdia que representa dar ao próximo negando-se a si mesmo.
E nossa "megalomania" consiste em não querer entender que a misericórdia é um patrimônio "arquetípico" da humanidade, não um dom que só alguns possuem.
Nossa "megalomania" consiste em não entendermos que ninguém que não esteja negando misericórdia a si mesmo necessitaria de nossa "compaixão".
Quer seja uma "vítima", um "pobre", quer se trate de um "abastado", ou de um "carrasco".

Mas, cada vez que ofertamos nossa misericórdia a alguém, não pensamos que ele nega a misericórdia a si mesmo, cremos que ele não a possui em si e que depende da nossa.

Para entender isso melhor, proponho-te aqui um cenário imaginário, meu amor:
Suponhas que "deus" existe, pouco importa aqui que já creias nele ou que sejas ateu, e que ele teria ofertado a cada humano o "dom", o arquétipo da misericórdia de si, como fonte de permissão, de desculpabilização, de "perdão a si mesmo”, enfim, de prazer.
Imagina que a enigmática frase "ama ao próximo como A TI MESMO", seja um indício disso.
Suponhas, enfim, que o "Deus de amor" não teria negado a nenhuma das suas criaturas o dom do amor a si mesmo, fonte de todo amor compartilhado.
"Consciente" da tua possessão da misericórdia de si, assim como cada um dos teus semelhantes, que dirias tu diante de um "necessitado"?

Será que dirias:
"Eis aí a minha misericórdia que Deus ofertou a mim (mas que não a quero para mim...) que te oferto, pobre miserável a quem Deus não deu nenhuma misericórdia de si".

Ou, antes, dirias:
Ué? O que essa criatura fez da misericórdia de si que Deus lhe ofertou?
Onde ele escondeu este "dom" dentro dele mesmo para estar aí nessa miséria negra, afetiva e/ou moral??
Vês porque sugiro que toda misericórdia irrefletida é… "megalomania", meu amor?
Se "ajudamos" sem dar ao outro uma possibilidade de auto-ajuda, não somente atrofiamos seu potencial humano, como sugerimos implicitamente que ele não é tão capaz quanto somos.
Luiz Gonzaga, referindo-se à "ajuda" dos órgãos federais à seca do nordeste, utilizou versos que deveríamos meditar mais longamente sobre eles meu amor:
"Mas, doutor, uma esmola, para um homem que é são, ou o mata de vergonha, ou vicia o cidadão…"

Ajudar, sem dar ao outro uma oportunidade de questionar-se PORQUE permitiu-se chegar à decadência total, ou é explorá-lo, mantê-lo em situação de dependência, ou é utilizá-lo, ajudando-o, para continuar negando ajuda a si mesmo.
Há também aqueles que fecharam seus corações a toda auto e hetero-ajuda.
Estes encontraram um meio mais "eficaz" ainda de rejeitar o arquétipo da misericórdia:
Eles se contentam em observar a enorme "palhaçada" que é, vista deles, a "hipocrisia" "fariseana" da misericórdia, que eles reduzem à manipulação da culpabilidade e credulidade alheia, já descrita acima.
Tais "observadores percebem muito bem o quanto os "ajudadores" não querem mesmo ajudar, observam como os "ajudados" não querem mesmo a ajuda que fingem pedir e, sentindo-se mais espertos que os demais por entenderem isso ...
Silenciam...Nem dão, nem pedem ajuda.
Fecham-se numa frieza... "protetora", certos de que assim protegem-se da hipocrisia de fazer circular uma misericórdia entre quem não a quer.
Estes sentem-se mais dignos, mais espertos, mais justos que os demais.
Deixam-se tratar de frios, de cruéis, de egoístas, pelos "fariseus" agachados num corredor de metrô diante de um clochard pestilento, por estarem convictos da hipocrisia dos que só são generosos "de fachada".Estes não acreditam mais na ajuda, nem de si a si, nem de outro a si.
Na realidade, estes são os mais miseráveis, meu amor, os que estão mais distantes do arquétipo da misericórdia.
Vamos, então, nós todos, meu amor, seja lá quem formos, seja lá em qual descrição nos encontremos desse repúdio, dessa rejeição nossa ao dom da misericórdia a si, base de toda auto-ajuda e de todo gozo, vamos todos agora buscar o contato com esse "arquétipo", ou com esse "anjo".

Vamos procurar ter "pena" de nós mesmos, compaixão de nós mesmos, dó de nós mesmos.
Mas, não, evidentemente, na intenção de lamentarmo-nos, se bem que lágrimas incontroláveis sempre jorram nesse reencontro de nós com nós mesmos.
O que vamos, isso sim, é ter misericórdia conosco, para começarmos AQUI, AGORA E JÁ!!! a nos ajudarmos, e REALMENTE!
Vamos interessar-nos pelo que realmente necessitamos, deixar de intoxicarmo-nos, de punirmo-nos com todo tipo de "droga" que usamos para não estarmos atentos, disponíveis a nós mesmos.Vamos nos afastando devagarzinho das coisas que deixamos que nos invadam e nos envenenem só para nos punir, só para continuarmos negando a misericórdia a nós mesmos, a ajuda a nós mesmos, sob o pretexto tão usado e abusado, que nos parece tão válido quando o evocamos debaixo de soluços...Pretexto que nos diz que ninguém nunca interessou-se realmente por nós mesmos, que nossos pais e mães foram os primeiros a não ver-nos, a negar nossa essência, a não dar-nos o amor, a atenção e a proteção que criariam as oportunidades que necessitávamos para aprendermos a cuidar de nós mesmos, etc. e tal.Todos nós conhecemos estes pretextos, os empregamos e somos "experts" em detectá-los nos demais.Mas...Estamos nós mesmos nos dando a nós mesmos nossa oportunidade SEMPRE?
Aceitamos recomeçar para aprender?
Concedemo-nos, diante dos nossos erros, a misericórdia de que reclamamos?
Ou continuamos a abandonar-nos, como nos ensinaram a fazê-lo, desde pequenos?
Pois o fato de que toda criança se sente, inevitavelmente, desprotegida e incompreendida pelos seus educadores, faz parte da educação, da maturação pessoal, da individuação.
O sentimento de abandono é um arquétipo de "rito iniciático" de passagem à idade adulta.

Mas o abandono será vivido como um "malefício" enquanto não entendermos sua função de fator de maturação do nosso caráter.
O arquétipo do abandono torna-se, assim, o motor, a "desculpa" que utilizamos, já na idade adulta, para também nos abandonarmos, para não assumirmos a responsabilidade das nossas próprias vidas.

Esse abandono de si traduz-se através do nosso comportamento impiedoso para com nós mesmos:
Odiando-nos, repudiando-nos, punindo-nos e castigando-nos com todo tipo de miséria e de coisas que fazemos e ingurgitamos, sabendo, conscientemente, que estamos fazendo-nos mal e continuando, para levar-nos ao desgosto total de si, à náusea, ao vômito, para odiar a si ao máximo.
Esse ódio a si nos levará, em seguida, ao desprezo dos demais.
Ignorando que somos os únicos responsáveis por nós mesmos na idade adulta, acusaremos nossos pais, o governo, nosso país e todos aqueles a quem atribuímos a responsabilidade das nossas próprias decisões: o "destino", deus", o "diabo", o "acaso" ou o "nada", alguém terá que ser responsável pela nossa própria responsabilidade não assumida.

Para reverter a nosso favor essa sensação de abandono, de "azar" ou de "fatalismo", basta que meditemos séria e longamente sobre a necessidade imperativa de não nos abandonarmos por sentirmo-nos abandonados, basta constatarmos o arquétipo da misericórdia de si, basta "capturarmos" REMIEL.

Pois Remiel é o nome desse anjo-arquétipo, meu amor.
Quanto maior nosso desespero, maior a possibilidade de ativarmos a misericórdia de si, meu amor.
Ela molda-se exatamente aos nossos mais profundos anseios, ela nos acompanha em nossos momentos de profunda solidão, ela está sempre ao nosso lado, embora nosso orgulho, enquanto ele nos dominar, impedir-nos-á de senti-la.

Para constatar o que aqui afirmo, pergunta-te agora, meu amor:
O que faço quando me "desespero"?
No fundo, cada um de nós, à sua maneira, faz sempre o mesmo:
Xinga, berra, esperneia, conjura, maldiz, odeia a tudo e a todos, começando por si mesmo, descabela-se, agride, fuma, embriaga-se, mata-se, até silenciar tudo em si, por exaustão, até calar, atingir a prostração.
E tu fazes muito bem em fazer isso, meu amor: esse é o caminho!!
Se não tivestes agido assim sempre que necessitastes "extravasar", defender-te, sequer estarias hoje lendo essa mensagem.
Mas, já que chegastes até aqui, pesquisa se já não é tempo de começares a substituir esse método desgastante pela misericórdia de si.
Tenta aprender, aos poucos, e sem reprimir-te, a substituir toda catarse através da cólera, pela ação de ocupar-se concretamente de si.
Aprende a consagrar-te o tempo que necessitas, oferta-te coisas simples, mínimas, mas que te levarão, pouco a pouco, a reencontrar-te contigo mesmo.
Caso não o consigas, ainda, caso maldizer-te seja mais forte do que bendizer-te, estejas certo que o fato de não teres suspendido a leitura dessa mensagem ainda, já é a prova de que a misericórdia de si está sendo ativada em ti nesse momento mesmo.

Tua "curiosidade" vem do fato de que nós todos "suspeitamos" o que aqui exponho sob o manto do arquétipo da misericórdia a si, meu amor.
Todos nós "intuímos" a presença do anjo-arquétipo Remiel em nossas vidas, principalmente quando mais nos punimos.
Mesmo que jamais tenhamos pensado conscientemente a respeito do assunto.
Mesmo quando nunca ouvimos falar disto.
Mesmo quando ouvimos falar e rimos de tamanha idiotice.
Mesmo quando fingimos acreditar nisso, para melhor negarmos, sabotarmos sistematicamente a auto-ajuda.

Todos intuímos a realidade e a necessidade da misericórdia de si:
Ajuda-te e o céu te ajudará, diz um velho ditado.
Seja, então, qual for nossa opinião a respeito do arquétipo da misericórdia, ele sempre nos acompanha.
"Remiel", ou anjo-arquétipo conscientizado por aqueles que não mais abandonam a si mesmos, mesmo na mais negra sensação de solidão e abandono, estará ao nosso lado, meu amor, só esperando que tenhamos REALMENTE dó de nós mesmos, que aceitemos presentear-nos com a misericórdia a si, eliminando, pouco a pouco, todos os auto-flagelos que nos infligimos.
Talvez já tenhas encontrado a tua própria maneira de fazer-te feliz, de ter misericórdia de ti mesmo.Glória a ti, então, meu amor, que encontrastes teu "paraíso".
Pois que o "céu" seja para ti uma realidade metafísica, ou apenas uma metáfora referente ao sentimento de felicidade, podes ter certeza de que ele inicia-se em "Remiel", ou seja, na misericórdia de si.

Talvez sofras desesperadamente, meu amor, mas és ainda orgulhoso demais para apiedar-te do teu próprio sofrer.Se for o caso, mais desespero ainda terá que vir em teu auxílio, pois teimoso como és, meu amor, só bastante sofrimento poderia ajudar-te a superar o orgulho de pedir ajuda a seja lá quem for.
Quando nosso orgulho é desmedido, só um intenso desespero consegue despertar "Remiel" em nossos corações.
Talvez sequer saibas ainda que vives desesperado!
Segue, mesmo assim, tua trilha sem inquietude, meu amor, pois um dia dar-te-ás conta de que teu estado reflete teu próprio abandono de ti mesmo, compreenderás que escondes ainda uma recriminação a ti mesmo.
No fundo, ainda não te julgas digno, merecedor de amor.
Toda e qualquer queixa, meu amor, sempre reflete nossa falta de amor próprio, nossa imaturidade afetiva, nossa espera de que façam por nós o que nos recusamos de fazer por nós mesmos.
Mas, quando temermos o ridículo de pedir ajuda para alcançarmos a auto-ajuda menos do que o ridículo de sofrer, o potente arquétipo da misericórdia será ativado dentro de cada um de nós, meu amor.
"Remiel" poderá, então, vir em nosso auxílio, meu amor, mostrando-nos, a cada passo, como utilizarmos a nosso favor o que, até o presente, utilizávamos contra nós mesmos.